segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Reportagem no Diario de Noticias


Reportagem I

Será a morte apenas uma passagem?
Todos nós temos consciência da inevitabilidade da morte, mas o medo do que ela representa faz com que se assuma, na nossa sociedade, como um assunto quase tabu. Contudo, para os que acreditam na imortalidade alma, é vista como mais uma etapa no caminho da perfeição do espírito.


Apesar do muito conhecimento que o Homem adquiriu ao longo dos muitos milhares de anos em que habita a Terra ainda não conseguiu responder à questão que sempre o acompanhou: Será a morte o fim, uma passagem ou o início de uma outra forma de vida? Para os mais cépticos, não há outra além da primeira resposta. Para os católicos, é o fim da vida terrena e o início da eternidade, mas para muitos outros, como os que seguem o budismo ou a doutrina espírita, é uma etapa que liga as várias reencarnações, as quais servem para que o espírito atinja a perfeição. Contudo, ao contrário do primeiro, esta última pressupõe, tal como o catolicismo, a existência de Deus.

"As práticas espíritas baseiam-se em premissas morais, que se articulam com a imortalidade da alma, as vidas sucessivas, a existência de Deus, a pluralidade dos mundos habitados e a lei de causa e efeito, segundo a qual todos recolhemos as consequências do que fazemos de melhor e de pior", afirma o presidente da ADEP (Associação de Divulgação do Espiritismo em Portugal), Ulisses Lopes, também fotógrafo e empresário.

O espiritismo consiste num conjunto de conceitos doutrinários que foram organizados por Allan Kardec, o codificador do espiritismo, em meados do século XIX, a partir da investigação que fez em torno de fenómenos mediúnicos diversos. É com base nesses princípios que a ADEP desenvolve o seu trabalho, sendo um dos seus principais objectivos "a divulgação da doutrina espírita com seriedade e eficácia, dentro dos tempos livres, pós-profissionais, de cada um dos seus membros e colaboradores", refere Ulisses Lopes.

Tal como em todo o Mundo, no nosso país, o espiritismo ganha cada vez mais adeptos, com dezenas de associações no continente e ilhas, atraindo seguidores provenientes das mais diversas áreas, entre elas a ciência e a medicina. Existem mesmo associações médico-espíritas em Portugal. Lígia Almeida é licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, e mestre em Farmácia e Bioquímica pela Universidade de São Paulo. Durante dez anos trabalhou como pesquisadora clínica na Universidade de São Paulo, tendo publicado diversos trabalhos em revistas internacionais. Está em Portugal há nove anos a trabalhar no sector privado e é membro da AME Porto - Associação Médico Espírita da Área Metropolitana do Porto.

Apesar do racionalismo reinante entre a classe médica, Ligia Almeida considera que não existe qualquer incompatibilidade entre a medicina e o facto de ser espírita. "Creio que as crenças de um médico só se oporão ao juramento de Hipócrates, quando elas impedirem que seja utilizado todo o conhecimento e empenho, de que se dispõe, a favor da vida, o que não é o caso". Sujeitos a uma carga constante de sofrimento e ao drama da morte, para os médicos, o espiritismo poderá mesmo ser um suporte que os poderá ajudar a lidar com esse tipo de situações. "Lidar com o sofrimento e a morte faz com que o profissional da área da saúde se imunize e se alheie, ou então vá em busca de respostas que não se encontram nos livros de medicina e nos bancos da faculdade", disse.

Porém, sublinha, o facto de ser espírita não faz com que a sua prática clínica seja diferente da dos restantes médico, mas modificou-a enquanto pessoa, tornando-a mais consciente das necessidades e dificuldades alheias: "Ajuda-me a compreender que a minha dor não é maior que a dor do meu próximo; que a vida tem objectivos e finalidades, na maioria das vezes, distintos dos nossos, e que ela, a vida, é de uma lógica e beleza que ainda estamos longe de compreender em toda sua extensão." Nesse sentido, como médica Lígia Almeida, vê o espiritismo "como uma mais valia na compreensão do que é a vida" e como espírita vê a medicina como "uma ferramenta ímpar para a compreensão do ser humano e a sua trajectória".

Fundamental para a evolução humana, também a ciência ainda não conseguiu dar todas as respostas, não devendo, por isso, ser estranho que um cientista esteja aberto às respostas que possam ser dadas por outras vias. "Aquilo que tenho verificado ao longo da minha vida, quer no contacto directo com cientistas, mestres e colegas, é um profundo interesse pelas questões existenciais, pelas grandes questões que se prendem com a origem, o destino e o significado do Universo e dos seres", afirma o engenheiro Francisco Curado Teixeira, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e também responsável pelo departamento de pesquisa da ADEP.

"Alguns dos mais eminentes cientistas de sempre e da actualidade, muito em particular físicos, bioquímicos e outros que desenvolvem investigação nas áreas da origem da vida e da astrofísica, nas suas obras de divulgação científica acabam por colocar estas questões a um nível metafísico. Na realidade, um cientista deve ser uma pessoa que, para além de respeitar determinadas metodologias, se preocupa em ir ao fundo das questões. Assim sendo, necessariamente irá deparar-se com a espiritualidade." Francisco Curado considera que o facto de um cientista adoptar ou simpatizar com uma determinada religião o filosofia resulta apenas de "uma consequência da sua história pessoal e do meio em que foi educado". No entanto, acredita que, "cada vez mais, as pessoas ligadas à ciência tendem a desvincular-se de religiões mais conservadoras para abraçar doutrinas menos dogmáticas e mais abrangentes em termos filosóficos". Na sua opinião, "ser espírita, está nesta linha de orientação".

Com responsável do departamento de pesquisa da ADEP, Francisco Curado explica que este "estuda casos de manifestações, que caindo na esfera do fisicamente observável, são passíveis de uma interpretação à luz da doutrina espírita, tal como é proposta nas obras codificadas por Allan Kardec, mas também por autores e investigadores mais recentes". Algumas das situações que têm maior interesse para a ADEP são as das manifestações do tipo 'poltergeist', as manifestações mediúnicas através de médiuns credíveis e bem documentadas e os fenómenos de transcomunicação instrumental - através de meios electrónicos. "O objectivo desta pesquisa é por vezes o de explicar os fenómenos e elucidar as pessoas que são de alguma forma perturbadas pelos mesmos, mas também tentar trazer a público a realidade destes casos e tentar esclarecer a sua origem", disse. Neste contexto, sublinha que se trata de "uma actividade que deve ser desenvolvida com muito rigor e que requer um conhecimento e domínio do método científico, para além dos conhecimentos filosóficos e doutrinários".

Dos casos estudados pela ADEP, Francisco Curado refere um relacionado com 'poltergeist'. "Entre outras manifestações, ocorria o arremesso de pedras e de outros objectos, bem como fenómenos do tipo 'teletransporte' de pequenos objectos. Estes ocorriam quer dentro quer fora de casa, para grande surpresa e por vezes incómodo de todos as pessoas presentes. Para além dos moradores da casa houve testemunhas externas, incluindo agentes da autoridade e um sacerdote que presenciaram e em certa medida foram também vítimas dos fenómeno." Francisco Curado refere que, fundamentada primordialmente pelo trabalho de investigação de Allan Kardec, "a doutrina espírita parte de uma base experimental, que recorre ao método científico, seguindo-se depois a compilação do seu corpo doutrinário".

Contudo, o investigador considera que "não se deve tentar isolar completamente a componente científica das pesquisas no domínio do espiritismo de uma componente que pode ser designada 'intuitiva'". Aliás, sublinha que a crença comum de que o cientista parte sempre de premissas puramente racionais ou de factos científicos previamente estabelecidos para as suas investigações é "incorrecta". "Se assim fosse, provavelmente os avanços científicos notáveis que observamos não existiriam. Em ciência, parte-se frequentemente de 'intuições' e progride-se muitas vezes por uma espécie de 'iluminação' despoletada pelo trabalho de investigação desenvolvido, normalmente árduo." Francisco Curado afirma que "qualquer investigador científico experiente reconhece a importância da intuição no avanço das pesquisas". No entanto, "todas as premissas usadas devem ser explícitas e todas as conclusões têm que ser validadas pela aplicação do método científico, assentando em metodologias rigorosas que devem permitir separar os factos observáveis das convicções do investigador". Isto porque uma mesma investigação, com recurso ao método científico, poderá conduzir a diferentes interpretações dos resultados.

"O facto de se aplicar o método científico não implica unanimidade, embora normalmente exista concordância sobre os factos observados e sobre as premissas utilizadas." Deste modo, sustenta, "também os factos frequentemente invocados para atestar a veracidade do espiritismo podem ser postos em causa por outros pensadores, o que não invalida a importância destes factos". Além disso, o investigador adianta que é normal em ciência adoptar-se "como modelo da realidade aquele que melhor explica um determinado fenómeno", o que "não significa que ele seja o único modelo existente ou que não possa evoluir e ser revisto mais tarde, mas apenas que ele é o que melhor se adapta à realidade à luz dos conhecimentos existentes". No campo dos fenómenos do tipo das comunicações mediúnicas e de efeitos físicos, os quais envolverão a actuação de agentes em outras dimensões espácio-temporais, a doutrina espírita leva vantagem, uma vez que estes "nunca foram convenientemente explicados por outras doutrinas ou por outros modelos científicos".

Segundo esta doutrina, os espíritos têm de passar por diversas encarnações, com vista ao auto-aperfeiçoamento até que seja alcançado o grau de espíritos puros. Um processo de aprendizagem que, tal como acontece com a evolução humana, não é igual para todos.

Sílvia Ornelas

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