quinta-feira, 10 de julho de 2008

Destruição dos seres vivos uns pelos outros


Destruição dos Seres Vivos uns Pelos Outros


20. A destruição recíproca dos seres vivos é uma das leis da Natureza, a qual, à primeira vista, menos parece conciliar-se com a bondade de Deus. Pergunta-se o porquê da necessidade de entre destruição, para que uns se nutram à custa dos outros.
Para aquele que não considera senão a matéria, que limita sua visão à vida presente, isso parecerá com efeito uma imperfeição na obra divina. É que em geral os homens julgam a perfeição de Deus por seu próprio ponto de vista; sua própria opinião é a medida de sua sabedoria, e pensam que Deus não poderia fazer melhor do que eles próprios o fariam. Sua visão curta não lhes permite julgar o conjunto, e eles não compreendem que um bem real pode resultar de um mal aparente. O conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua verdadeira essência, e da grande lei de unidade que constitui a harmonia da criação é o único que pode dar ao homem a chave desse mistério e lhe mostrar a sabedoria providencial e a harmonia, exactamente onde ele não enxergava senão uma anomalia e uma contradição.


21. A verdadeira vida, do animal, tal como a do homem, não se encontra no envoltório corporal, como também não se encontra em seu vestuário; ela está no princípio inteligente, que preexiste, e que sobrevive ao corpo. Este princípio tem necessidade do corpo para se desenvolver pelo trabalho que deve realizar sobre a matéria bruta; o corpo se gasta neste trabalho, mas o Espírito não se gasta; ao contrário, dele sai cada vez mais forte, mais lúcido e mais capaz. Que importa, pois, que o Espírito mude mais ou menos de envoltório! Nem por isso, ele será menos Espírito; é exactamente como se um homem renovasse cem vezes suas roupas no decurso de um ano; nem por isso, seria menos homem.
Pelo incessante espectáculo da destruição, Deus ensina aos homens o pouco apreço que devem dar a seu veículo material, e suscita neles a ideia da vida espiritual, fazendo com que eles a desejem como compensação.
Dir-se-á: e Deus não poderia chegar ao mesmo resultado por outros meios, sem obrigar os seres vivos a se entre destruírem? Se tudo é sabedoria em sua obra, devemos supor que esta sabedoria não deve apresentar falha neste ponto, assim como nos demais; se não a compreendemos, devemos experimentar procurar a justificativa, tomando por bússola este princípio: Deus deve ser infinitamente justo e sábio; procuremos pois, em tudo, sua justiça e sua sabedoria, e inclinemo-nos diante do que ultrapassa nosso conhecimento.


22. Uma primeira utilidade que se apresenta nesta destruição, utilidade puramente física, certamente, é esta: os corpos orgânicos não se alimentam senão com a ajuda de matérias orgânicas, uma vez que estas matérias são as únicas que contêm os elementos nutritivos necessários à sua transformação. Os corpos, instrumentos de acção do princípio inteligente, têm necessidade de ser incessantemente renovados; a Providência os faz servir a seu mútuo alimento; é por isso que os seres se nutrem uns dos outros; então, é o corpo que se nutre do corpo, porém o Espírito não se aniquilou, nem se alterou; apenas, despojou-se de seu invólucro. (2)


23. Além disso, há considerações morais de ordem mais elevada.
A luta é necessária ao desenvolvimento do Espírito; é na luta que ele exerce suas faculdades. Aquele que ataca a fim de obter seu alimento, e aquele que se defende para conservar sua vida, fazem uso da habilidade e da inteligência, e por isso mesmo, aumentam suas forças intelectuais. Um dos dois sucumbe; mas o que é que, na realidade, o mais forte ou o mais hábil levou do mais fraco? Seu vestuário de carne, nada mais; o Espírito, que não morre, mais tarde retomará outra vestimenta.
Nos seres inferiores da criação, naqueles em que não existe o senso moral, nos quais a inteligência ainda não substituiu o instinto, a luta não teria por móvel senão a satisfação de uma necessidade material; ora, uma das necessidades materiais mais imperiosas é a da nutrição; lutam, pois, unicamente para viver, isto é, para tomar ou defender uma presa, pois não seriam estimulados por um móvel mais elevado. É neste primeiro período que a alma se elabora e se ensaia na vida. No homem, há um período de transição no qual mal ele se distingue do bruto; nas primeiras idades, o instinto animal domina e a luta tem ainda por móvel, a satisfação das necessidades materiais; mais tarde, o instinto animal e o sentimento moral se contrabalançam, o homem então luta, não mais para se nutrir, mas para satisfazer sua ambição, seu orgulho, a necessidade de dominar; para isso, ainda lhe é necessário destruir. Porém, à medida que o senso moral predomina, a sensibilidade se desenvolve, a necessidade da destruição diminui; termina mesmo por se extinguir e por tornar-se odiosa; então, o homem passa a ter horror ao sangue.
Entretanto, a luta é sempre necessária ao desenvolvimento do Espírito, pois, mesmo chegado a este ponto que nos parece culminante, está longe de ser perfeito; não é senão à custa de sua actividade que ele adquire conhecimentos, experiência e que se despoja dos derradeiros vestígios da animalidade; mas a partir desse momento, a luta, que era sangrenta e brutal, torna-se puramente intelectual; o homem luta contra as dificuldades e não mais contra seus semelhantes. (3)


As doutrinas materialistas trazem em si, o princípio de sua destruição; contra elas, têm não somente seu antagonismo com as aspirações da universalidade dos homens e suas consequências morais, que as tornarão repulsivas, como dissolventes da sociedade, mas ainda a necessidade que se experimenta, de tomar em consideração tudo o que nasce do progresso. O desenvolvimento intelectual leva o homem à pesquisa das causas; ora, por pouco que ele reflicta, não demora a reconhecer a impotência do materialismo, a tudo explicar. Como jamais poderiam prevalecer doutrinas que não satisfazem o coração, nem a razão, nem a inteligência, que conservam problemáticas as questões mais vitais? O progresso das ideias matará o materialismo, como já extinguiu o fanatismo.


(2) Ver a (Revue Spirite, Agosto, 1864, pág. 241, "Extinção das raças").


(3) Sem nada pré-julgar a respeito das consequências que se poderiam extrair deste princípio, unicamente temos pretendido demonstrar, mediante esta explicação, que a destruição dos seres vivos, uns pelos outros, em nada enfraquece a sabedoria divina, e que tudo se encadeia nas leis da natureza. Este entrelaçamento é necessariamente rompido se fizermos abstracção do princípio espiritual; devido a isto é que tantas perguntas ficam sem resposta, se apenas considerarmos a matéria.


Referencia: A génese

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