quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Uma viúva de Malabar


Conversas familiares de além-túmulo


- Uma viúva de Malabar

Desejávamos interrogar uma dessas mulheres da índia, que têm o uso de se queimarem sobre o corpo de seu marido. Não as conhecendo, tínhamos pedido a São Luís se consentiria em nos enviar uma que estivesse em condições de responder às nossas perguntas, de maneira um pouco satisfatória. Ele respondeu-nos que o faria de bom grado, em alguma ocasião. Na sessão da Sociedade, do dia 2 de Novembro de 1858, o senhor Adrien, médium vidente, viu uma delas disposta a falar, e da qual fez o seguinte retrato:
Olhos grandes, negros, colorido amarelo no branco; figura arredondada, face rechonchuda e gorda; pele amarela-açafrão polido; cílios longos, sobrancelhas arqueadas, negras; nariz mais ou menos achatado, boca grande e sensual; belos dentes grandes e lisos; cabelos escorridos, abundantes, negros e espessos de gordura. Corpo bastante grosso, atarracado e gordo. Lenços de pescoço a envolvem deixando a metade do peito nu. Braceletes nos braços e nas pernas.

1. Lembrai-vos, mais ou menos, em que época vivestes na índia, e onde fostes queimada sobre o corpo de vosso marido?

- R. Ela fez sinal que não se lembra. - São Luís respondeu
que foi há cerca de cem anos.

2. Lembrai-vos do nome que tínheis?

- R. Fátima.

3. Que religião professáveis?

- R. O maometismo.

4. Mas o maometismo não manda tais sacrifícios?

- R. Nasci muçulmana, mas meu marido era da religião de Brahma. Tive que me conformar com o uso do país em que residia. As
mulheres não se pertencem.

5. Que idade tínheis quando morrestes?

- R. Tinha, creio, em tomo de vinte anos.

Nota. - O senhor Adrien observou que ela parecia ter pelo menos vinte e oito a trinta; mas que nesse país as mulheres envelhecem mais depressa.

6. Sacrificaste-vos voluntariamente?

- R. Preferiria casar-me com um outro. Reflecti bem, e
concebereis que pensamos todos do mesmo modo. Segui o costume; mas no fundo preferia não fazê-lo. Esperei vários dias o outro marido, e ninguém veio; então, obedeci à lei.

7. Que sentimento pôde ditar essa lei?

- R. Ideias supersticiosas. Afigura-se que, em se
queimando, se é mais agradável à Divindade; que resgatamos as faltas daquele que perdemos, e que vamos ajudá-lo a viver feliz no outro mundo.

8. Vosso marido teve vontade do vosso sacrifício?

- R. Jamais procurei rever meu marido.

9. Há mulheres que se sacrificam assim deliberadamente?

-R. Há pouco delas; uma em mil, e ainda, no fundo, elas não gostariam de fazê-lo.

10. Que se passou convosco no momento em que a vida corporal se extinguiu?

- R. A perturbação; tive uma neblina, e depois não sei o que se passou. Minhas ideias não se ordenaram senão depois de muito tempo. Ia por toda parte, e, entretanto, não via bem; e ainda agora, não estou inteiramente esclarecida; tenho muitas encarnações a sofrer para me elevar; mas não me queimarei mais... Não vejo a necessidade de se queimar, de se lançar no meio das chamas para se elevar... sobretudo por faltas que não se cometeu; depois, isso não
me agradou... De resto, não procurei sabê-lo, dar-me-íeis alegria orando um pouco por mim; porque compreendo que não há senão a prece para suportar com coragem as provas que nos são enviadas: Ah! se eu tivesse a fé!

11. Pedis para orarmos por vós; mas somos cristãos, e nossas preces poderiam ser-vos agradáveis?

- R. Não há senão um Deus para todos os homens.

Nota. - Em várias das sessões seguintes a mesma mulher veio entre os Espíritos que as assistiam. Ela disse que vinha para se instruir. Parecia sensível ao interesse que se lhe testemunhava, porque ela nos seguiu várias vezes em outras reuniões e mesmo na rua.

Revista Espírita, Dezembro de 1858

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